World Nomad Games, a incrível Olimpíada dos Povos Nômades no Quirguistão

Aida Akmatova performing upside down archery at the World Nomad Games
Aida Akmatova performing upside down archery at the World Nomad Games

This post is also available in: English

Saiba tudo sobre a III Edição do World Nomad Games (Jogos Mundiais Nômades em português), no Quirguistão. Oito dias de competições esportivas e culturais em um dos eventos mais espetaculares que já tivemos o prazer de cobrir.

*Conheça o livro que publicamos sobre os nômades da Ásia Central, que concorreu ao Prêmio Jabuti 2020, e escute também o episódio do nosso podcast inteiramente dedicado ao World Nomad Games! 

Aida Akmatova performing upside down archery at the World Nomad Games
A atleta quirguiz Aida Akhmatova

Como nasceram os Jogos Mundiais Nômades, ou World Nomad Games?

fogos nos Jogos mundiais nômades

Vamos começar com o porquê do mundo hoje ter os Jogos Mundiais Nômades, um evento muito interessante que pouquíssimas pessoas conhecem. O seu idealizador, o filantropo Askhat Akibaev, a quem entrevistamos para o futuro documentário que lançaremos sobre a cultura nômade, nos contou que trabalhava como chefe de muitas federações esportivas quirguiz. Por conta do seu trabalho, sempre participava de eventos desportivos que promoviam a cultura de determinados países como Japão, Mongólia e etc. Foi então que começou a idealizar um festival que focasse na história do Quirguistão.

No entanto, imaginando que dar visibilidade apenas à cultura quirguiz pudesse não ser tão interessante, Askhat Akibaev decidiu englobar as tradições de povos nômades de vários cantos do mundo no festival que aos poucos começava a tomar forma. “Não queremos que os jogos sejam apenas sobre o Quirguistão, mas que sirvam de oportunidade para outras culturas nômades e pequenas comunidades mostrarem suas tradições e esportes étnicos”. É com esse mote que nasce o World Nomad Games, a Olimpíada dos Povos Nômades, que reúne bianualmente, desde 2014, mais de 70 países para competir em 37 modalidades esportivas de tradição nômade.

homem pegando fogo em apresentação nos Jogos mundiais nômades

Muito mais do que um evento esportivo

Importante frisar que os Jogos Mundiais Nômades são muito mais do que apenas uma competição esportiva, o festival é principalmente sobre cultura. A terceira edição, em 2018, contou inclusive com uma vila étnica, onde aconteciam apresentações culturais de diversas nações, desde Emirados Árabes, ao Cazaquistão e até EUA.

desfiladeiro de kyrchyn no quirguistão
o desfiladeiro de Kyrchyn
Já leu a matéria que escrevemos para a Folha de São Paulo sobre os Jogos Mundiais Nômades?

Lá, as pessoas poderiam ter experiências relacionadas à cultura nômade, como viver em yurtas, vestir roupas e provar comidas de diferentes nacionalidades.

mulheres do quirguistão em vestidos tradicionais

A vila étnica foi montada no Vale de Kyrchyn, um lugar tão cênico e interessante que foi difícil deixar a máquina de lado e curtir o ambiente sem o filtro da câmera. rs.

Outra novidade na terceira edição foi a inauguração de um anfiteatro para receber shows musicais e de moda que contou com a participação de mais de 70 países.

grupo africano nos Jogos mundiais nômades

mulher do equador se apresentando nos Jogos mundiais nômades
mulher do Equador se aprensentando no anfiteatro

As competições esportivas dos Jogos Nômades:

nações entrando para os Jogos mundiais nômades

Mas vamos ao lá ao que realmente interessa: as exóticas competições do World Nomad Games. Como comentamos, eram mais de 37 modalidades, a maioria fazia referência às tradições nômades, envolvendo atividades com cavalo, arco e flecha, falcões, além de diversos tipos de luta.

As mais hipnotizantes para nós foram o tiro com arco a cavalo, a luta livre a cavalo e o surreal Kok-Buru, um tipo de polo em que a bola é uma cabra decapitada. Mas vamos falar mais sobre isso jájá.

Ficamos surpresos com a quantidade de ciclistas viajando pelo Quirguistão e deu até vontade de explorar o país sobre duas rodas em uma próxima viagem. Ficou com curiosos? Então vem ler o nosso artigo sobre cicloturismo na Europa.

Tiro com arco a cavalo

tiro com arco a cavalo nos Jogos mundiais nômades

O esporte é lindo e os competidores ainda se vestem a caráter, dando a sensação de estarmos em um filme medieval. No tiro com arco a cavalo feminino, a vencedora foi uma turca, deixando a representando do Quirguistão, Aida Akhmatova (a da foto principal desse artigo e a quem nós também entrevistamos para o documentário!) em segundo lugar.

Nesse esporte, o competidor tem que cavalgar por um corredor onde estão três alvos, cada um em uma angulação diferente. O segredo aqui é conseguir controlar o cavalo a galope sem usar as mãos e ainda ter uma boa mira com a flecha. Surreal.

Luta livre a cavalo

luta livre a cavalo nos Jogos mundiais nômades

A luta livre a cavalo, conhecida como Er Enish, também foi muito interessante. Esse esporte de guerreiros lembra uma batalha e exige força, não apenas do competidor, mas também do animal.

jogador sendo derrubado na luta libre a cavalo

O objetivo do Er Enish é fazer qualquer parte do corpo do adversário tocar o chão. Mas não é só isso. Cada time tem cinco lutadores e a batalha dura seis minutos. No final de cada confronto, se não houver uma vitória clara, decide-se o vencedor por pontos. A nação com mais vitórias, ganha o jogo – pelo menos foi o que nós entendemos. rs.

Kok-Buru

kok buru nos Jogos mundiais nômades

O que falar do Kok-Buru… que jogo! Esta foi uma das razões pela qual queríamos tanto ir aos Jogos Mundiais Nômades. Precisávamos entender de onde vem a ideia de jogar polo a cavalo com uma cabra morta.

kok buru nos Jogos mundiais nômades

Se você ficou curioso, tem uma hashtag no Instagram “#deadgoatpolo” e aqui nesse link você vê mais fotos das partidas que acompanhamos. Vem ver também o vídeo que gravamos

Só para dar uma noção da complexidade e dificuldade do jogo, a cabra decapitada pesa 35kg! Imagine puxá-la do chão a cavalo. O Tiago tentou levantá-la e quase não conseguiu.

Tiago levantando a cabra

São quatro jogadores de cada time e o objetivo é marcar gols, ou goats no adversário em grandes estruturas redondas que ficam no final do campo.

fazendo um gol em kok buru nos Jogos mundiais nômades

O Kok Boru tem origem em uma antiga tradição dos nômades da Ásia Central de castigarem lobos que atacavam o rebanho dos acampamentos jogando-os de um lado para o outro.
Muitos dizem inclusive que essa pode ser a origem do polo a cavalo, que os ingleses teriam se inspirado durante a ocupação do Afeganistão.

kok buru nos Jogos mundiais nômades

Esse é o esporte nacional do Quirguistão e o país obviamente foi o grande vencedor da terceira edição dos Jogos Mundiais Nômades. Em segundo e terceiro lugar ficaram Uzbequistão e Cazaquistão, respectivamente.

pegando a cabra morta do chão no jogo de kok buru dos Jogos mundiais nômades

Interessante também foi a adesão do time da França na competição de Kok Boru nessa última edição. Apesar da tentativa, os franceses nem sequer conseguiram tirar a cabra do chão. Em determinado momento, o Quirguistão literalmente entregou a cabra ao time adversário para dar uma chance deles marcarem um goat.

Mesmo com todas as dificuldades, foi legal ver a França se aventurar em um jogo tão exótico, muito provavelmente por respeito à cultura nômade.

jogo de kok buru nos Jogos mundiais nômades

A Cerimônia de Encerramento dos Jogos Mundiais Nômades

mulher do quirguistão dançando durante os Jogos mundiais nômades

Os jogos são realmente quase que uma versão nômade – e em menor escala – das olimíadas e por isso, contou também com cerimônia de abertura e encerramento. Lindos shows que contaram a história do Quirguistão com direito a muitas acrobacias e shows musicais.

A festa que marcou o final da terceira edição do World Nomad Games foi sensacional! Mais musical do que performática, o evento teve até apresentação de uma banda alemã meio maluca, que aparentemente fez muito sucesso nos anos 90.

A festa nos fez perceber o quão animados são os quirguiz. A platéia, em sua grande parte formada por idosos e crianças, não parou nem por um segundo de cantar, dançar e balançar as bandeiras do país. Deu para ver o quão orgulhosos estavam com o evento – e com toda a razão!

Em determinado momento, para uma explosão generalizada de alegria, a Ministra o Turismo quirguiz, que estava meio que controlando a área da imprensa, onde nós estávamos sentados, rompeu a barreira que separava o palco da platéia e chamou todo mundo para uma grande festa no hipódromo. Inesquecível!

A animação durou até o começo da madrugada, com famílias, casais, jovens, jornalistas e atletas de todos os cantos do mundo celebrando aquele lindo festival cultural.

bandeira do quirguistão nos Jogos mundiais nômades

rapaz do quirguistão comemorando

festa nos Jogos mundiais nômades

Os próximos Jogos Mundiais Nômades

casal a cavalo galopando

Triste notícia para alguns, mas boa para outros: a edição de 2020 dos Jogos Mundiais Nômades será na Turquia.

Triste porque os quirguiz – e outras nacionalidades – acreditam que os jogos tem muito mais a ver com o país que o criou, nômades por natureza e ainda forte detentores da tradição nomádica.

O lado bom da mudança, no entanto, é que o evento deve ganhar em infraestrutura, permitindo que os jogos cresçam e conquistem mais notoriedade, trazendo mais conscientização para a questão cultural.

Nós concordamos com os dois lados, vai ser triste ver os jogos saírem de seu local de origem, mas é verdade que o evento é muito caro para o pequeno país da Ásia Central. A Turquia poderá investir mais na infraestrutura e não tem como negar as críticas de competidores de todos os cantos do mundo quanto a falta de organização.

É esperar para ver.